O meu primeiro ano de serviço docente foi no ano lectivo 2001/2002.
A minha primeira reunião geral de professores foi no dia 11 de Setembro de 2001. Perpetuará na memória a entrada de uma professora na reunião, completamente alterada, gritando que tinha sido atingida a segunda torre. Ficámos perplexos com a notícia e a reunião foi substituída por expressões de incredulidade em frente a um televisor, que o auxiliar se encarregou de colocar na sala.
Nessa altura falava-se da necessidade de mudar, da necessidade de implementar novas estratégias em sala de aula, centradas no aluno, dirigidas às necessidades individuais, refutando o ensino de massas. Enquanto aluna da Faculdade, tive uma cadeira denominada Métodos e Técnicas de Educação, na altura da responsabilidade da Doutora Maria de Lurdes Cró. Um ano a discutir a necessidade da mudança, da resistência à mudança, do respeito pela diversidade,... A verdade é que só anos mais tarde compreendi o sentido destas palavras. Foi com enorme sabedoria que a minha orientadora de estágio e eterna mentora, a Dr.ª Isabel Paiva, referiu que o estágio profissional é como tirar a carta de condução, somente a experiência faz o professor.
O meu estágio profissional foi no ensino secundário, 10º e 11º anos. Fui orientada para o rigor, a exigência, a criatividade, a experimentação. Incitada a fazer ouvir os meus pontos de vista, a participar activamente na comunidade escolar, a entender o aluno como um todo e a aula como a continuação da anterior e o início da posterior, a preferência por unidades temáticas em detrimento dos planos de aula, a construção do conhecimento em oposição à sua exposição. A pergunta que se responde com outra pergunta, conduzindo o aluno a encontrar a resposta e envolvendo a turma nesse propósito. Foi essa a bagagem que trouxe daquela escola que não só de nome era a Quinta das Flores, naquela cidade sinónimo de saudade, Coimbra!
E depois a experiência do ensino básico. Recordo-me de ter feito teste e de os ter corrigido da forma que sempre faço: trancando a vermelho todos os espaços vazios. Uma aluna de 7º ano, ao receber o teste começou a chorar, não percebi de imediato o que se passava. Perguntei-lhe, ao que me respondeu:
-A professora riscou o meu teste todo. Está tudo mal!
Nesse momento percebi que há diferenças avassaladoras e é bem verdade que necessitaria de outro estágio, porque ensinar alunos do ensino básico é outra realidade, a qual se sente na linguagem, no ritmo, na autonomia,... pena que a diferença também se sinta na exigência, no rigor e na diferenciação de alunos.
Dei aulas no ensino básico pela última vez em 2005/2006. Um ano emocionalmente muito exigente e no qual quase esqueci que era professora. Há realidades sociais em que falta tudo! É quase como educar os nossos filhos, só que em vez de bebés temos adolescentes de 13, 15 ou até mesmo 18 anos, aos quais temos de ensinar cuidados básicos de higiene, formas de estar, de comunicar,... Os cursos de educação e formação que se massificaram a partir de 2006/2007 e que para isso muito contribuiu a escola em que trabalhei: a Afonso Domingues. É, em boa da verdade, uma das escolas com maior experiência nesta oferta curricular. Recordo-me que o nosso objectivo, enquanto Conselho de Turma, era contribuir para que o maior número de alunos tivesse a escolaridade obrigatória, o 9º ano. O nível 3 era o saco em que cabia tudo, criando graves injustiças entre os pares.
E agora? A escolaridade obrigatória será o 12º ano!
Como é que vamos operacionalizar esse objectivo?
Nos 27 países da Comunidade Europeia somente 6 países têm escolaridade obrigatória de 12 anos. Os resultados de Portugal parecem demonstrar que os nossos alunos, que cumprem os 9 anos de escolaridade obrigatória, desenvolvem muito menos competências do que os seus pares para o mesmo período, sobretudo no que respeita à matemática, ciências e língua materna.
Sou directora de turma de 11º ano e vejo-me confrontada com situações para as quais não tenho soluções. Armadilhas criadas pelo próprio sistema e que causam somente o adiar de um problema.
Por exemplo, tenho três alunos na minha direcção de turma que transitaram do 10º para o 11º ano com 5 a MAT e 8 a CFQ. Em Setembro último inscreveram-se no 11º ano em todas as disciplinas com excepção da MAT. Inscreveram-se a CFQ 11ºano, na medida em que o sistema permite a conclusão da disciplina, desde que a média com o 11º ano seja 10. Não houve compatibilidade de horário para frequentar a MAT de 10º ano, pelo que não se inscreveram nessa disciplina. Os alunos não tiveram, naturalmente, aproveitamento a Física Química, tendo anulado a disciplina por altura do Carnaval.
Qual é a solução para estes alunos? Voltam ao 10º no próximo ano lectivo? Retêm no 11º ano para fazer a Física Química e com grande probabilidade de não ter horário para a MAT de 10º ano? Ingressam num curso profissional? Não teria sido melhor reterem no 10º ano e no próximo ano estariam a inscrever-se no 11º ano em pleno e com condições para fazer um prosseguimento de estudos? Os 3 alunos já decidiram o seu futuro: um vai autopropôr-se a espanhol e geografia para mudar de curso e os outros dois vão ingressar num curso profissional de 3 anos porque não querem ir para a Faculdade. Estes alunos atrasaram as suas vidas 2 anos, gastaram dinheiro ao estado e em último aos contribuintes.
Gostaria de saber o resultado de um estudo que avaliasse o número de alunos que ao transitarem ao ano seguinte com 8 ou 9 numa disciplina de formação específica, conseguem obter classificação positiva no biénio. Será que existe sucesso? Pena que até hoje só tenha sido confrontada com situações de insucesso!
É importante reflectir sobre questões de fundo:
Qual é a Sociedade que queremos?
Qual é a Escola que queremos?
Que Professores queremos?
Paula Pousinha
Vêm ou veem?
Há 4 meses
2 comentários:
12 anos de escolaridade obrigatória
Os Equívocos
Recentemente, o 1º ministro José Sócrates anunciou a implementação da obrigatoriedade de frequência escolar de 12 anos, aplicável a partir de 2009/2010 e seguintes, a todos os jovens que se inscrevam no 7º ano.
A medida é correcta e já tinha sido apontada como necessária pelos governos de coligação PSD-PP anteriores ao actual.
O primeiro equívoco não é do Governo. É dos jornalistas e de – curiosamente – muitos responsáveis que comentam a decisão: a confusão entre uma escolaridade de 12 anos e a conclusão do 12º ano.
Até hoje, a escolaridade básica eram 9 anos (1º ao 9º ano) e a escolaridade obrigatória de 9 anos. Daí adveio a confusão. Entre os dois 9 (noves). A verdade é que nunca foi obrigatório que todos concluíssem a escolaridade básica (o 9º ano). Mas tão só que ficassem 9 anos, aí sim, de forma obrigatória, no sistema. Os alunos ficam “livres” de o deixar, ao completarem 16 anos antes do início do ano lectivo.
O 9º ano só é concluído em 9 anos nos casos em que a carreira do aluno é imaculada. Sem “chumbos”. Assim, é só nesse caso, que a conclusão da escolaridade obrigatória é simultânea com o termo do 9º ano.
A verdade é que esses casos seriam apenas alguns. Sempre cada vez mais, mas ainda longe de números que pudéssemos considerar como razoáveis.
E ali estava o problema. Muitas vezes, apesar da escolaridade obrigatória estar cumprida, a conclusão do 9º ano ficava muito longe para uma grande fatia dos alunos. Devido aos anos “repetidos” que originava atrasos na frequência. O que não é bom para os alunos e para o País.
Agora, a Escolaridade Básica vai continuar a ter 9 anos (1º ao 9º ano) mas passará a ser obrigatório ficar na escola (ou em formação), durante 12 anos.
Chegamos então, ao segundo equívoco. Este já de uma maioria considerável dos intervenientes, onde se incluem os responsáveis governativos: ao contrário do que vêm referindo, o alargamento da escolaridade obrigatória a 12 anos pouco irá influir no Ensino Secundário e não terá absolutamente nada a haver com o 12º ano…
Os grandes problemas estão bem identificados, nas situações de abandono precoce. Ou seja, no grupo de alunos que, ao atingir os 16 anos optavam por sair da escola. Encontrando-se, estes, nos 6º, 7º, 8º ou 9º anos. Ou seja, acumulando insucessos no ensino básico pelo que, muito longe de poderem almejar atingir (e muito menos concluir) o Secundário.
Esta saída precoce, destes alunos, do sistema (no qual não se identificavam) era, muitas vezes, uma benesse para as Escolas. E por razões entendíveis: afinal, esses alunos eram referenciais pouco interessantes para os restantes alunos e focos de instabilidade e problemas para o estabelecimento.
Mas são estes jovens que, agora, sentirão a mudança da lei: terão que ali (nas escolas) “penar” mais 3 anos. Não no Secundário, mas no Básico. Onde estão agora, sem perspectivas de ir muito mais longe. Com as óbvias implicações ao serem impedidos, antes dos 18 anos, de aceder ao mercado de trabalho. Serão mais problemas para as escolas e professores que os terão que aguentar mais 3 anos. Mais velhos, maiores, menos “controláveis”, mais frustrados, mais incompreendidos.
A notícia que a idade de empregabilidade se manterá nos 16 anos é contraditória. A não ser que esses jovens (16-18 anos) se mantenham em simultâneo, no mercado de trabalho e em frequência escolar/formativa.
O que nos leva ao 3º equívoco. A bolsa de estudo. Para os alunos no Secundário com aproveitamento. O que constitui um “tiro” completamente ao lado. Como vimos, o que esta nova lei vai acrescentar (e manter mais 3 anos no sistema) são alunos no Básico e sem aproveitamento regular. E são estes alunos os que terão que ser apoiados. Caso contrário, teremos um “inferno na Terra” para eles, para os outros alunos, para os professores e para as suas Escolas.
A bolsa de estudo para os alunos do Secundário, com aproveitamento, servirá para aqueles que, sem ela, estariam ali mesmo. Não acrescentará nada ao crescimento da escolaridade, sem prejuízo da oferta ser-lhes (a esses alunos) pessoalmente interessante (afinal é-lhes dado dinheiro).
Ainda não se entendeu se a atribuição da bolsa será feita juntamente com o Abono de Família, pelo sistema da Segurança Social (deverá ser assim, para simplificação administrativa) ou através do sistema da Acção Social Escolar (processo muito mais complicado).
Escrevi no início que a medida é boa. E é.
O grande impacto será vivido na possibilidade de mais alunos concluírem a escolaridade básica. Pois 9 anos obrigatórios, para estes alunos com insucesso acumulado, não chegavam para, sequer, concluir a Escolaridade Básica. Agora com 12 anos, isso passará a será possível.
Mas isto não é suficiente. Fazer a lei é fácil. Assegurar os resultados objectivados, é mais difícil.
Mas é possível. E como:
Assegurando a multiplicação de ofertas de formação profissional de nível II (e não de nível III, conforme é usual se ouvir falar), de preferência nas Escolas de Ensino Secundário onde as idades dos alunos agora “retidos” no sistema se equivalerão às dos restantes, facilitando a sua integração. Nas zonas de população mais rarefeita, será necessário garantir transportes regulares para garantir o acesso desses alunos aos locais e escolas devidas. A idade (mais avançada) dos alunos facilita o processo (distâncias maiores a percorrer).
Por outro lado, haverá que incrementar os Cursos de Educação Formação que atribuem profissionalização de nível II a fim de os disponibilizar aos alunos, que, já perto dos 18 anos, concluem o Básico mas já não estão dispostos a continuar no sistema ao longo dos mais 3 anos que constituem o Secundário. Aí entram esses cursos com durações de 1 ano que acrescentam uma componente profissional ao Ensino Básico já concluído.
Realmente, como diz a Ministra, não deverá haver grande acréscimo imediato de alunos no sistema. Daí não se dever esperar grandes incrementos na oferta de trabalho docente. Gradualmente haverá mais alunos, mas contrabalançados com a redução demográfica, o seu número deverá manter-se mais ou menos estável ou com uma variação gradual positiva reduzida.
As ofertas prévias na Educação Pré-Escolar (alargamento da sua frequência) e numa Escola a Tempo Inteiro de qualidade, reduzirão o insucesso e permitirão, primeiro, que a conclusão da escolaridade básica possa ser, efectivamente, generalizada e que, depois, então, se aumente o mais possível e de forma sustentada o nível médio formativo dos jovens portugueses para além do Ensino Básico.
Finalmente:
A bolsa de estudo anunciada é um tiro falhado. Que custará 150 milhões de euros anuais dentro de poucos anos. Ora, não se entende para que serve.
Afinal, aqueles alunos são apoiados pela Acção Social Escolar para efeitos de acesso a livros, material escolar, transportes, alimentação, acesso à banda larga. Já quase tudo gratuito. Antigamente, a bolsa de estudo (e bem) justificava-se para os casos em que a escolaridade obrigava à frequência escolar em estabelecimentos distantes, servindo para financiar uma morada de recurso.
Assim, para que servirá este dinheiro dado assim, de forma avulsa? Não quero nem sugerir algumas aplicações (tão erradas quanto possíveis).
Muito mais correcto seria aplicar esse dinheiro no reforço dos apoios ASE, aplicáveis a todos os alunos com mais de 16 anos (sim, também do básico e sem considerar o facto do aluno não ter obtido, pontualmente, aproveitamento) de forma muito mais criteriosa (criar crédito para determinados usos) e, talvez, suportar estágios – por inteiro - nas empresas que aceitem alunos a frequentar cursos de nível II. Incluindo compensação às empresas e aos alunos (neste caso, substituindo-se ao emprego agora impossibilitado).
O acesso precoce destes jovens, já nesta fase (estágios nas empresas) ao sistema da Segurança Social (habilitando esses jovens aos benefícios correspondentes) também poderia ser analisado e financiado pelo Estado (ao invés da atribuição inútil das bolsas).
Considero que é aqui que se deverá centrar o esforço máximo a fazer nos próximos anos. Mesmo que, ganha a primeira aposta e ultrapassada a primeira fase, tudo se possa transferir para o nível seguinte: secundário e formação de nível III. Mas por agora, ainda estaremos longe (talvez 10 anos) disso.
Caro garaujo
Agradeço o seu comentário, o qual considero muito pertinente e me fez reflectir sobre os três equívocos que explana.
O equívoco entre os 12 anos de escolaridade obrigatória e o 12º ano surge, também, do facto das Políticas de Educação tenderem para o desaparecimento da figura retenção, colocando nos professores a responsabilidade de criar estratégias que visam o sucesso e a recuperação dos alunos.
Como muito bem refere, a obrigatoriedade de permanência vai tornar algumas escolas/turmas um verdadeiro inferno, sobretudo se pensarmos que as turmas continuam a ter mais de 25 alunos e as aulas do ensino básico 90 minutos de duração. A melhor forma de evitar a indisciplina é manter os alunos ocupados, no entanto são raras as turmas do ensino básico que têm capacidade para trabalhar durante o tempo regulamentado.
Veremos o que acontece no novo governo. Parece-me que a legislação de educação está a surgir de modo precipitado. Em 2006 estive em Londres e tive oportunidade de conversar com algus professores do ensino público naquele país. Nessa altura a Inglaterra estava com enormes problemas nas escolas, os professores desistiam e as famílias que podíam pagar preferiam o privado, deixando o ensino público para os mais desfavorecidos e mais grave para os professores/técnicos menos capazes e sem outras oportunidades.
Quando assisti o filme francês «A Turma» revivi alguns momentos enquanto professora e considerei que nada do retratado era diferente da realidade portuguesa. Admirei-me com artigos que li em alguns jornais ou comentários de políticos que muito orgulhosamente declaravam que as escolas portuguesas eram muito diferentes.
Quando estava a dar aulas em Chelas levei um grupo de alunos à Assembleia da República para ver algumas obras do Museu Serralves. A passagem pelo detector de metais foi esclarecedora da realidade que os professores têm nas suas salas de aula: navalhas, facas, borboletas... Não tinha um único aluno que não tivesse uma arma branca! Será que os tiramos do crime? ou será que levam o crime para as escolas? Qual foi a formação que eu, enquanto professora tive para lidar com esta realidade? Nenhuma!
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