quarta-feira, 8 de julho de 2009

Possível explicação para os maus resultados do Exame de Biologia e Geologia

Os resultados dos exames nacionais do ensino secundário foram divulgados ontem. A alegria sentida pelos alunos de 12º ano devido aos resultados a Matemática e Português contrastavam com a tristeza dos alunos de 11º ano. Os exames de 11º ano: Biologia - Geologia e Física - Química registaram médias inferiores a 100 pontos, o que revela uma impreparação dos alunos para as ciências experimentais.
Sou professora de Biologia - Geologia. Considero que o nível de dificuldade do exame de 1ª Fase foi adequado. Nem muito fácil (como no ano passado), nem excessivamente difícil. Os critérios de correcção do exame poderiam ser alvo de discussão, no entanto, por ser professora correctora, prefiro não me alongar neste tema, devido ao sigilo que a função exige.
Há uma questão que é crucial colocar: A que se devem estes maus resultados?
É fácil dizer que o exame era muito difícil ou que os critérios eram muito exigentes. Na verdade considero que o exame era desafiante, com perguntas inteligentes. Era preciso saber biologia e geologia? Sim, era. E isso chegava? Não, não chegava. Era preciso saber, perceber, interpretar, ser crítico, raciocinar, aplicar...
Uma das melhores experiências que tive enquanto professora foi na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho (escola onde tenho estado nos últimos anos), em 2003. Nesse ano as regras de acesso ao ensino superior para os alunos de escolas internacionais, como o liceu Francês, alteraram. Em consequência dessa alteração constituiu-se uma turma na escola em que a maioria dos alunos eram provenientes do Liceu Francês. Eu fui a professora de Biologia e Geologia dessa turma, o 10ºI. Foi tão diferente daquilo a que eu estava habituada. Os alunos questionavam, relacionavam, eram curiosos, discutiam pontos de vista, argumentavam, não tinham por certo aquilo que eu dizia. Eu saía daquelas aulas fisicamente exausta mas recompensada pelo retorno que os meus alunos me davam.
Este ano um dos alunos dessa turma encontrou-me no hall principal da escola. Dirigiu-se a mim dizendo: Professora Paula, ainda bem que a encontrei. Foi consigo que eu comecei a gostar de Biologia. Tirei a licenciatura em Engenharia Agrónoma e vim cá para pedir um certificado que preciso. Vou fazer o Mestrado na Holanda. O Tomás era um dos alunos mais participativos. Nas primeiras aulas ainda me interrompia dizendo: Madame... Memórias!
O que é que estamos a fazer no ensino básico que torna os alunos das escolas portuguesas diferentes dos outros alunos inscritos em escolas com currículo diferente? E eu não refiro escolas básicas públicas porque no liceu em que trabalho as turmas de 10º ano são constituídas, na sua maioria, por uma elevada percentagem de alunos que vêm dos melhores colégios de Lisboa.
Só posso escrever do que sei e o que sei deriva da minha experiência enquanto professora do ensino básico.
Estive em 3 escolas diferentes do ensino básico. Nas 3 escolas fui professora de 7º e 8º ano. Numa das escolas tive todas as turmas de 7º ano da escola. Para terem uma ideia, nas escolas em que a turma não desdobra com a Física Química, os alunos têm ciências naturais uma única vez por semana, uma aula de 90 minutos, ou seja os alunos estão com o professor uma vez por semana e o professor está com 140 alunos diferentes a cada semana. Nas semana em que há feriados, passam 2 semanas sem ouvir falar em ciências e se pensarmos que o dia 1 e 8 de Dezembro coincidem no dia de semana e que a semana a seguir é, normalmente, a última semana de aulas antes das férias de Natal, os alunos podem fazer um interregno na aprendizagem das ciências por períodos de 1 mês ou mais. E depois fala-se em actividades experimentais. Aulas experimentais em 45 minutos, se for aula de turno e se com sorte a sala da turma for laboratório ou tiver, pelo menos, tomadas de electricidade e lavatório. Fazer actividades experimentais em aulas de turma completa (25-30 alunos) é impensável.
É natural que, nestas condições, o conhecimento que um professor tem de cada um dos seus alunos seja reduzido e que a motivação que o aluno tem para a disciplina se perca (nesta idade os alunos são muito influenciados pelo professor, ou seja, se gostam do professor gostam da disciplina, se não gostam, desistem, não investem, são passivos). Como é que se pode lançar um desafio aos alunos se o retorno ao desafio surge, no mínimo, uma semana depois? E isto para não falar de questões materiais, do desequipamento dos laboratórios das escolas, quando existem!
Sempre me interessei por outras realidades e quando faço viagens procuro livros relacionados com o ensino das ciências experimentais nesses países. Tenho encontrado publicações com actividades muito simples, com poucos recursos, mas muito construtivas. Tenho constatado que nesses países, Inglaterra, Dinamarca e Estados Unidos, as crianças começam a realizar experiências num nível de ensino equivalente ao 1º Ciclo do ensino básico. Nesse nível é mais importante desenvolver a curiosidade pelo resultado que se vai obter, a delineação de estratégias para alcançar o resultado pretendido, do que propriamente os conteúdos.
A realidade no nosso país é muito diferente. A realização de experiências está prevista nas orientações programáticas de todos os níveis de ensino, no entanto não há condições materiais ou temporais para a sua concretização. Muitos dos alunos que chegam ao ensino secundário nunca observaram ao microscópio, nunca elaboraram uma preparação biológica, nunca fizeram uma visita de estudo para observar paisagens geomorfológicas,... Se ao menos não tivessem realizado actividades experimentais, mas soubessem os conteúdos! a verdade é que muitos não sabem o que é uma célula, quanto mais diferenciar célula eucariótica de procariótica. Se não sabem que existem magmas mais ou menos ácidos, como poderão compreender a génese dos mesmos. O que estou a querer dizer é que no secundário o professor passa muito tempo a trabalhar competências que poderiam ter sido adquiridas no ensino básico. Não é colocar a responsabilidade desse lado, até porque eu também já leccionei nesse nível.
É necessário pensar a montante, para que a jusante o rio não transborde!

Paula Pousinha

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